Monday, February 20, 2012


Ítalo Galli - In memoriam






Foi com profundo pesar que recebemos a notícia da partida do nobre companheiro Ítalo Galli para a já tão grande “Milícia do Além”, embora saibamos que este exemplar católico estará muito melhor no Outro Mundo do que na Terra. Entregou ele a alma a Deus, na esperança de gozar da eterna beatitude, na última segunda-feira, dia 13 de fevereiro, aos noventa e oito anos de idade, nesta Capital Bandeirante de tão gloriosas tradições, em que viveu tantos anos de sua longa e profícua existência terrena aquele ilustre filho do interior da Província Paulista, deixando cinco filhos dos seis que teve com a esposa, Alayde Del Vecchio, fiel e dedicada companheira e infatigável colaboradora, já falecida, além de netos e bisnetos.

            Varão das mais excelsas virtudes morais e intelectuais, Juiz e, posteriormente, Desembargador dos mais cultos, sábios, lúcidos, justos e dignos que já passaram pela Magistratura Paulista, autor de ensaios em que sustenta, galhardamente, a Justiça, a Moral, os Bons-Costumes, o Direito e o Bem Comum, sempre orientado pela Teologia e pela Filosofia de Santo Tomás de Aquino e pelo pensamento tradicional, demonstrando sólido conhecimento das Sagradas Escrituras, da Doutrina da Igreja e das obras dos mais proeminentes vultos do tradicionalismo político, foi este magno defensor do Direito Natural Tradicional, ou Clássico, e da denominada Escola Clássica de Direito Penal um Magistrado que, como ressalta a revista Hora Presente, sempre espelhou em seus “arestos uma formação jurídica que deita fundas raízes na filosofia e humanismo cristãos, permitindo-lhe fazer da lei verdadeiro instrumento da justiça e não mera cibernetização juridicista” [1]. Este humanismo, é claro, nada tem que ver com o humanismo antropocêntrico e antitradicional, sendo, antes, um humanismo teocêntrico, cristão e tradicional da mesma cepa daquele que tão belamente floresceu na Europa desde o princípio da denominada Baixa Idade Média e que teve, em nosso Mundo Lusíada, o apogeu na obra de Dom Jerónimo Osório, último Bispo de Silves e primeiro Bispo do Faro, que deixou este Mundo no ano de 1580 e foi considerado por Francisco Elías de Tejada não apenas “o máximo pensador político dos povos hispânicos” [2], como, ainda, “o supremo pensador hispânico, português e castelhano, de todos os séculos” [3].

            Nascido no povoado de Marcondésia, no Município de Monte Azul Paulista, em 20 de agosto de 1913, Ítalo Galli se formou em Direito no Rio de Janeiro, cidade em que conheceu o Integralismo e em que, tendo notado que a Doutrina deste se conciliava plenamente com a Doutrina Católica, como reconheceriam inúmeros bispos, sacerdotes e pensadores leigos católicos dos mais eminentes, muitos dos quais adeririam àquele Movimento de renovação social e cultural inspirado nas lídimas raízes, ou tradições, da Terra de Santa Cruz, ingressou, ele também, nesta admirável escola de Moralidade, Civismo, Patriotismo e Nacionalismo, luminoso foco de irradiação, inexpugnável cidadela e vigilante atalaia do Brasil Profundo, Autêntico e Verdadeiro, se fazendo, assim, um soldado de Deus, da Pátria e da Família. Mais tarde, já formado e residindo no Município de Olímpia, no interior de São Paulo, se tornou Chefe Municipal da Ação Integralista Brasileira naquela localidade, cujo núcleo depois passou a abranger a Municipalidade vizinha de Nova Granada.          Profundamente influenciado por Plínio Salgado, o tão ilustre quanto injustiçado autor da Vida de Jesus, “grande monumento elevado à glória de Cristo” e “joia de uma literatura”, na abalizada opinião do Padre Leonel Franca [4], Ítalo Galli, que permaneceu integralista até o fim de sua caminhada sobre a Terra e cujo filho Ivo teve como padrinho de batismo ninguém menos que o próprio Chefe Nacional, sempre evocou os ensinamentos profundamente cristãos e brasileiros expressos nos brilhantes livros, artigos, manifestos e discursos plinianos, especialmente a frase que inicia o chamado Manifesto de Outubro, de 1932, que é “Deus dirige o destino dos povos”, e a peroração do discurso proferido a 12 de junho de 1937 na Sessão Soleníssima das Cortes do Sigma, realizada no Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro. Nesta peroração, após afirmar, dentre outras coisas, que, em seu sentir, o Estado Integral é “O Estado que vem de Cristo, inspira-se em Cristo, age por Cristo e vai para Cristo”, Plínio faz a profissão pública de sua fé, afirmando sua crença em “Deus Eterno”, na “Alma Imortal” da Pessoa Humana e no “poder optativo, deliberativo” desta e em “sua capacidade de interferência nos fatos históricos”, bem como em “Cristo e na luz que d’Ele desce”, sublinhando que fora por Cristo que se levantara; por Cristo que queria “um grande Brasil”; por Cristo que ensinava “a doutrina da solidariedade humana e da harmonia social”; por Cristo que lutava; por Cristo que conclamava e conduzia os integralistas e por Cristo que batalharia [5].              

                As palavras de Plínio Salgado, que, como salienta João Ameal, sempre escreveu, falou, apostolizou “sob a luz perene da obediência a Cristo” [6] e que é, no dizer de Hipólito Raposo, “o mais eloquente intérprete da Brasilidade” [7] e, na expressão de Francisco Elías de Tejada, o “profeta incandescente e sublime de seu povo”, a “encarnação viva do Brasil melhor” [8], levantou, como salienta este último, desde sua conversão espiritual e intelectual, em 1918, “duas colunas solidíssimas”, que não são senão “Cristo e o Brasil”, concebendo “o Integralismo como ação, como volta à Tradição brasileira”. E Cristo e o Brasil foram também os consistentíssimos pilares que ergueu, durante toda a vida, Ítalo Galli, que, como frisa Miguel Reale, foi, na Ação Integralista Brasileira, um daqueles “jovens brilhantes” e de “firme formação católico-social” que mais perto se encontravam do pensamento de Plínio Salgado, ao lado de outros como os então futuros ilustres juristas Alfredo Buzaid e Goffredo Telles Junior [9].

            Ítalo Galli ingressou na Magistratura, como Juiz Substituto, em 1941. No ano seguinte foi promovido a Juiz de Direito de 1ª Entrância, indo para Apiaí, e em 1946 recebeu a promoção para a 2ª Entrância, se tornando Juiz de São José do Rio Pardo. Em 1954, foi promovido à 3ª Entrância, seguindo para a Capital Paulista e, no mesmo ano, promovido à 4ª Entrância, se transferiu para Campinas, cidade em que já hoje existe uma rua que leva o seu nome, dali se removendo, algum tempo mais tarde, para a 17ª Vara Criminal de São Paulo. Em 1965, se tornou Juiz de 2ª Instância, no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, cuja presidência assumiria em 1972, e, em 1976, tomou posse do cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, de que seria Vice-Presidente e no qual se aposentaria em 1983, por haver atingido a idade limite. Magistrado exemplar, bastariam, para imortalizá-lo, as palavras de outro exemplar Magistrado, o Desembargador Ricardo Dip, em depoimento sobre o também exemplar Magistrado Antônio Carlos Alves Braga, outro insigne soldado de Deus, da Pátria e da Família, que chegou, dentre outros, aos cargos de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral e de Corregedor-Geral da Justiça de São Paulo, quando Dip salienta que Ítalo Galli foi seu “primeiro e grande modelo na Magistratura” [10].

            O memorável discurso proferido por Ítalo Galli na ocasião em que tomou posse como Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo foi publicado na revista Hora Presente, sob o feliz título de Verdades que precisam ser ditas, e, posteriormente, em sua pequena grande obra Os Direitos da Moral, de 1992. Esta brilhante peça de oratória, em que os dotes de pensador vigoroso e profundo se conjugam com aqueles de varão de ilibadas virtudes morais e de engenhoso artífice da palavra; esta brilhante peça de oratória em que abundam edificantes citações de autores como o Apóstolo São Paulo, Santo Tomás de Aquino, Donoso Cortés, Vázquez de Mella, Ventura de Raulica, Louis Veuillot, Chesterton, Jean Ousset, João Ameal e José Pedro Galvão de Sousa, sem falar naquelas do Rui Barbosa da Oração aos moços, em diversos pontos plenamente de acordo com a Doutrina Católica; esta brilhante peça de oratória, em que se demonstra magistralmente a importância vital da fé e do respeito à Lei Eterna para o bem das nações, enfim, termina da seguinte forma:



... quando os fundamentos de nossa fé, sustentáculo da moral e do direito, se vêm abalados pelos próprios ministros consagrados para alimentá-la e mantê-la, chegou a hora de recorrermos à advertência do Apóstolo das Gentes aos Gálatas: “Se alguém vos anunciar um Evangelho diferente daquele que recebestes, seja anátema; e ainda que nós mesmos ou um Anjo do céu vos anuncie um Evangelho diferente daquele que vos temos anunciado, seja anátema” (Gálatas, I, 8, 9).

E oxalá esta Casa, de tão belas tradições, cuja grandeza e cujo justo renome foi alcançado pela elevação moral e intelectual de seus Juízes, o último dos quais tenho a honra de suceder, continue a proclamar e a fazer jus àquele ideal de envergadura proclamado por Rui:

“Todo o bom magistrado tem muito de heróico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre e de nada se tema, senão da outra justiça, assente, cá em baixo, na consciência das nações, e culminante, lá em cima, no juízo divino” (Oração aos Moços).       

Somente assim, quando tivermos de prestar contas dos ‘talentos’ que Deus nos confiou, é que poderemos dizer como o Apóstolo São Paulo:

 “Senhor, combati o bom combate, consumei minha carreira, guardei minha fé”. Aplicai a Vossa justiça, mitigada pela Vossa imensa misericórdia [11].



            Sempre fiel aos seus nobilíssimos princípios e ideais, num tempo em que, como ele mesmo dizia, em Os Direitos da Moral, citando o poeta irlandês W. B. Yeats, “os melhores perderam toda a convicção”, e “os piores estão cheios de apaixonada certeza”, foi Galli um homem que não apenas proclamou, corajosamente, a necessidade de que “os melhores reencontrem toda sua tradicional convicção”, enquanto os piores percam sua “apaixonada certeza” [12], como foi uma honrosíssima exceção àquela que tem sido a regra entre os melhores, jamais perdendo sua convicção nos grandes princípios e ideais e jamais se fatigando de pelejar por eles.

            Não podemos concluir estas linhas sem recordar que Ítalo Galli pertenceu - ao lado de José Pedro Galvão de Sousa, Adib Casseb, Clóvis Lema Garcia, José Fraga Teixeira de Carvalho, Alfredo Leite, José Orsini e Claudio de Cicco, dentre outros, - àquele grupo a que o Professor e Desembargador Ricardo Dip, em belo depoimento sobre Arlindo Veiga dos Santos, qualificou de “grande movimento tradicionalista de Hora Presente” [13], que não se limitou à importantíssima revista de mesmo nome, de cujo Conselho Diretor fez parte e que se configura num dos mais admiráveis repositórios de cultura tradicionalista do Brasil, afirmando, nos campos religioso e político, a Doutrina Tradicionalista, e, nos planos teológico e filosófico, a Doutrina Tomista.

            Seja esta a breve síntese do muito que poderíamos dizer a respeito do notável e saudoso companheiro Ítalo Galli, a quem transmitimos a homenagem póstuma da Casa de Plínio Salgado, instituição de que foi ele um dos mais fiéis colaboradores, bem como da Frente Integralista Brasileira, do Centro de Estudos Gustavo Barroso e do Centro de Estudos Professor Arlindo Veiga dos Santos. Que Deus nos conceda, como concedeu ao companheiro Ítalo Galli, a honra de permanecer, até o fim de nossa caminhada terrena, fiéis aos valores da Fé e da Tradição, e que Ele suscite, na atual geração e nas gerações futuras, homens com qualidades morais e intelectuais semelhantes àquelas de Galli e que sejam depositários e continuadores dos augustos ideais a que este varão, ilustríssimo no saber e nas virtudes, dedicou toda a sua vida, podendo dizer, como ele, ao final da caminhada, que combateram o bom combate, consumaram sua carreira e guardaram a sua fé.

            Por Cristo e pela Nação Brasileira!



Victor Emanuel Vilela Barbuy, Presidente Nacional da Frente Integralista Brasileira, Vice-Presidente da Casa de Plínio Salgado e membro do Centro de Estudos Gustavo Barroso e do Centro de Estudos Professor Alindo Veiga dos Santos.



São Paulo, 20 de fevereiro de 2012-LXXIX.



Notas:

[1] Hora Presente, ano VI, nº 15, São Paulo, março de 1974, p. 158.

[2] ELÍAS DE TEJADA, Francisco. La Tradición portuguesa: Los Orígenes (1140-1521). Madri: Fundación Francisco Elías de Tejada y Erasmo Pèrcopo y Editorial ACTAS, s.l. , 1999, p. 17.

[3] Idem, p. 37.

[4] FRANCA, Leonel. Carta a Plínio Salgado. In SALGADO, Plínio. Vida de Jesus. 22ª ed. Prefácio de Marco Maciel. São Paulo: Voz do Oeste, 1985, pp. IX/XI.

[5] SALGADO, Plínio. Cristo e o Estado Integral. In Idem. . O Integralismo perante a Nação. 5ª ed. In Idem. Obras Completas. 2ª ed., vol. IX. São Paulo: Editora das Américas, 1959, pp. 201-203.

[6] AMEAL, João. Plínio Salgado ou a nova luta por Cristo. In VV.AA. Plínio Salgado: “in memoriam”. Vol. II. São Paulo: Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado, 1986, p. 129.

[7] RAPOSO, Hipólito. A notável oração do Dr. Hipólito Raposo. In Uma reportagem histórica (pubicada originalmente no jornal A Voz, de Lisboa, a 23 de junho de 1946). In VV.AA. Plínio Salgado: “in memoriam”. Vol. II, p. 189.

[8] ELÍAS DE TEJADA, Francisco. Plínio Salgado na Tradição do Brasil. Trad. de Gerardo Dantas Barreto. In VV.AA. Plínio Salgado: “in memoriam”. Vol. II, cit., pp. 47-48.

[9] REALE, Miguel. Memórias. Vol. I. Destinos cruzados. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 82.

[10] DIP, Ricardo. Alves Braga, exemplo de permanência. In NALINI, José Renato (Org.). Tributo a Antonio Carlos Alves Braga. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 96.

[11] GALLI, Ítalo. Verdades que precisam ser ditas. In Hora Presente, ano VIII, nº 23, outubro de 1977, p. 209; Idem. Discurso de Posse no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. In Idem. Os Direitos da Moral. São Paulo: Ed. do autor, 1992, pp. 45-46. Este livro reúne, além do discurso de posse no Tribunal de Justiça, o ensaio Os Direitos da Moral e o Prólogo à edição brasileira do célebre livro do Monsenhor Emílio Silva sobre a pena de morte.

[12] Idem. Os Direitos da Moral, cit., p. 22.

[13] DIP, Ricardo. Arlindo Veiga dos Santos: o poeta brasileiro de Pátria Nova. Trad. do texto original em castelhano por Fernando Rodrigues Batista. In http://reconquistabr.blogspot.com/2007/03/arlindo-veiga-dos-santos-o-poeta.html. Acesso em 20 de fevereiro de 2012.




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