Saturday, March 05, 2011

A questão social (fragmentos) - Vázquez de Mella



Seguem alguns fragmentos de magnífico discurso proferido no ano de 1903 por Juan Vázquez de Mella y Fanjul, preclaro doutrinador e Homem de ação tradicionalista espanhol, sobre a questão social.


Tende presentes, senhores, que a ordem econômica atual não é obra dos princípios católicos, não corresponde ao ideal da Economia cristã, mas antes à Economia individualista liberal triunfante na Revolução francesa, à inaugurada em parte pela Escola fisiocrática e desenvolvida pela inglesa de Smith e Ricardo e a francesa de Bastiat.
(...) Essa Economia [a Economia liberal-individualista] havia dito que o trabalho era uma mercadoria que se regulava, como as demais, pela lei da oferta e da procura, e a Economia social católica contesta: Não; o trabalho, como exercício da atividade de uma pessoa, não é uma simples força mecânica, é uma obra humana que, como todas, deve ser regulada pela lei moral e jurídica, que está acima de todas as regras econômicas.
Essa Economia havia dito que o contrato de trabalho era assunto exclusivamente privado, que só interessava aos contratantes, e a Economia católica contesta: Não; o contrato de trabalho é diretamente social por seus resultados, que podem transcender à ordem pública e social; e a hierarquia dos poderes da sociedade, e não só do Estado, que é o mais alto, mas não o único, têm em certos casos o dever de regulá-lo.
A Economia liberal havia dito que o principal problema era o da produção da riqueza e a Economia católica contesta: Não; o principal problema não consiste em produzir muito, mas sim em repartí-lo bem, e por isso a produção é um meio e a repartição equitativa um fim, e é inverter a ordem subordinar o fim ao meio, em vez do meio ao fim.
A Economia liberal dizia: Existem leis econômicas naturais, como a da oferta e da demanda, que, não intervendo o Estado para alterá-las, produzem por si mesmas a harmonia de todos os interesses. A Economia social católica contesta: Não existem leis naturais que imperem na ordem econômica a semelhança das que regem o mundo material, porque a ordem econômica, como tudo aquilo que se refere ao homem, está subordinada à moral, que não cumpre fatal, mas sim livremente, e não se podem harmonizar os interesses se antes não se harmonizarem as paixões que os impulsionam; e não é tampouco uma lei natural a oferta e procura, porque nem sequer é lei, já que é uma relação permanentemente variável.
A Economia liberal dizia: A liberdade econômica é a panaceia de todos os males, e a libve concorrência deve ser a lei suprema da ordem econômica. E a Economia social católica contesta: Não; o circo da livre concorrência, onde lutam os atletas com os anêmicos, é o combate no qual perecem os debéis aplastados pelos fortes; e para que essa contenda não seja injusta, é necessário que lutem os combatentes com armas proporcionais, e para isso é preciso que não estejam os indivíduos dispersos e desagregados, mas sim unidos e agrupados em corporações e na classe, que sejam como suas cidadelas e muralhas protetoras, porque, senão, a força de uns e o poder do Estado os aplasta.
A antiga Economia liberal dizia, referindo-se ao Estado em suas relações com a ordem econômica: Deixai fazer, deixai passar. E a Economia católica contesta: Não; essa regra não foi praticada jamais na História. Os mesmos que a proclamaram não a praticaram nunca; e é um erro frequente o crê-lo assim, em que muitos incorreram, e dentre eles sábios publicistas católicos, por não haver reparado que a antiga sociedade cristã estava organizada espontâneamente e não pelo Estado. Aquela sociedade havia estabelecido sua ordem econômica, e não a priori e conforme um plano idealista, mas sim segundo suas necessidades e condições; e quando o individualismo se encontrou com uma sociedade organizada conforme uns princípios contrários aos seus foi quando proclamou a tese de que não era lícito intervir na ordem econômica. O que era precisamente para derrubar o que existia, por meio de uma intervenção negativa, que consistia em romper um a um todos os vínculos da hierarquia de classes corporações que lenta e trabalhosamente haviam levantado as centúrias e as gerações crentes. Porque ¿que intervenção maior cabe que romper uma a uma todas as articulações do corpo social e desagregá-lo e reduzi-lo a átomos dispersos, para dar a ele, a despeito seu, a liberdade do pó a fim de que se movesse em todas as direções segundo os ventos que soprassem na cimeira do Estado?
A Economia liberal dizia... mas ¿para que continuar, senhores, se haveria que recorrer todas as suas afirmações e teorias para demonstrar que só deixaram  depois de si, ao cair sepultadas pela crítica, os escombros sociais entre os quais corre ameaçadora como um rio de ódio, que será depois de lágrimas e se sague, através de todas as sociedades modernas, a que se chama antonomásia a questão social, engendrada principalmente pela Economia liberal, que foi o pesadelo do século XIX e que é a premissa das catástrofes do século XX?

1 comment:

Anonymous said...

Um artigo muito interessante!
Não conhecia nada sobre Vázquez de Mella e este Blog me ofereceu a oportunidade de me enriquecer nos assuntos relacionados ao tradicionalismo espanhol,tradicionalismo que atrai a minha simpatia,mesmo conhecendo pouco sobre ele.
Obrigado Victor!
A Tradição,com raízes cristãs e européias,acato com prazer,mas o tradicionalismo oriental,para mim,não passa de disfarce do inimigo.
Desculpe-me por ter deixado de comparecer ao encontro que combinamos,não faltarão oportunidades para conversarmos.
Grande abraço!