Friday, September 18, 2009

Considerações sobre a entrevista do Prof. Angelo Trento à Folha de S. Paulo

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

A seis de setembro último passado, o jornal Folha de S. Paulo publicou no Caderno Mais!, uma entrevista de Angelo Trento, professor da Universidade de Nápoles, a respeito da penetração da doutrina fascista no Brasil ao tempo em que Mussolini governava a Itália e seu Império.
O que há de incomum e louvável em tal entrevista é o reconhecimento de que – ao contrário do que afirmam nossos “historiadores”, para os quais a Doutrina do Fascio só encontrou seguidores, no Brasil, entre a elite econômica da comunidade italiana – “o fascismo encontrou sem dúvida um vasto consenso entre a coletividade italiana e não apenas entre as classes altas e as camadas médias, mas também entre a pequena burguesia (como na Itália), principalmente comercial, e entre os próprios operários”. Do mesmo modo reconhece o autor – igualmente ao contrário do que afirmam os “historiadores” deste País – que “foi apenas uma minoria [da comunidade italiana] que se empenhou no movimento operário, defendendo posições anárquicas, anarcossindicalistas e socialistas”, e isso ainda antes da década de 1920.
Outro fato interessante que Trento reconhece – ao contrário, uma vez mais dos “historiadores” brasileiros – é o de que Mussolini gozava de “prestígio elevado” “com a opinião pública, as classes dirigentes e os governos estrangeiros”. A isto cumpriria acrescentar o fato, não apontado por Trento, de que o Fascismo foi capaz de atrair, como observa Zeev Sternhell, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, “qualquer uma das vanguardas mais avançadas de seu tempo”, contando com a admiração ou mesmo a militância de intelectuais como Ezra Pound, T.S. Eliot, Wyndham Lewis, Mircea Eliade, Emil Cioran, José Antonio Primo de Rivera, Fernando Pessoa e Hendrik de Man
[1], nomes aos quais podemos acrescentar os de Giovanni Gentile, Luigi Pirandello, Gabriele D’Annuzio, Giovanni Papini, Ugo Spirito, Giorgio Del Vecchio, Giuseppe Prezzolini, Maurice Barrès, Charles Maurras, Louis-Férdinand Céline, Robert Brasillach, Knut Hamsun, D. H. Lawrence, Oswald Mosley, Corneliu Codreanu, Carl Schmitt, Martin Heidegger e tantos outros que seria por demais fastidioso enumerar.
Um erro grave de Trento que deve ser destacado é o de seguir a tese segundo a qual os ideais do Risorgimento e do Fascismo seriam opostos, quando em verdade - como ressalta Giovanni Gentile, principal doutrinador do Fascismo italiano – “o Fascismo é filho do Risorgimento: do Risorgimento heróico, criador de um Estado moderno, que é potência política na medida em que é potência econômica e civilização: um homem novo, vivo, são, inteligente, original”
[2].
“Perder este fio, rompê-lo” – prossegue o ilustre filósofo italiano – “não pode ser e não é de interesse do Fascismo. Cuja revolução é progresso na medida em que é restauração: consolidação das bases para edificar sobre um sólido edifício, alto, na luz. Toda originalidade sem tradição, como toda espontaneidade sem disciplina, é veleidade estéril, não vontade viril. Capricho, não programa. Não é o espírito do Fascismo, mas sua caricatura”
[3].
Isto posto, cumpre ressaltar que, para Gentile, o Risorgimento foi um movimento de cunho tradicionalista, coincidindo com aquela renovação geral que pode ser considerada lato-senso como Romantismo, considerando Vincenzo Gioberti e Antonio Rosmini, dois dos principais vultos do Risorgimento, como os mais importantes pensadores tradicionalistas italianos
[4]. Tal posição é semelhante, aliás, à de Francisco Elías de Tejada y Spínola, um dos mais notáveis pensadores tradicionalistas católicos do século XX, para quem o Risorgimento, “não obstante as maneiras como se realizou”, constitui “parte nobilíssima” da Tradição Italiana[5].
Tal não é, porém, a opinião da maior parte dos tradicionalistas, sejam guelfos ou gibelinos, razão pela qual a posição do Fascismo em face do Risorgimento e, em especial, das ideias de Giuseppe Mazzini, motivou críticas de muitos desses tradicionalistas ao Fascismo. Julius Evola, mestre do denominado Tradicionalismo Integral e maior pensador antimoderno esotérico do século XX ao lado de René Guénon, por exemplo, afirma, em seu livro Imperialismo pagano, que se o fascismo conservava em si elementos mazzinianos, deveria expurgá-los, se purificando
[6].
O maior erro do professor Trento foi, contudo, afirmar irresponsavelmente que a Ação Integralista Brasileira (AIB) foi financiada por Mussolini. Com efeito, sugerimos a ele que leia a esclarecedora obra de Jayme Ferreira da Silva intitulada A verdade sobre o Integralismo, onde é pulverizada acusação semelhante, segundo a qual a AIB seria financiada pelo Banco Alemão Transatlântico do Rio de Janeiro
[7].
A Ação Integralista Brasileira, com efeito, jamais foi financiada por Mussolini e a suposta prova em sentido contrário de que os “historiadores” têm falado, uma nota promissória em que segundo eles há legível assinatura de Plínio Salgado, constitui um acinte à inteligência, posto que a assinatura que há nela nada tem de legível e, acima de tudo, notas promissórias jamais foram recibos de doação, mas sim títulos formais de crédito consistentes em promessas de pagamento a ser efetuado pelo emitente (devedor) ao beneficiário (credor), ou à sua ordem, em data e local determinados
[8].
Faz-se mister sublinhar, por fim, que o Integralismo diverge do Fascismo sobretudo no que diz respeito à concepção do Estado e do Direito, defendendo a Doutrina do Sigma, ao contrário da posição dominante na Doutrina do Fascio, que o Estado é um meio e não um fim e que acima do Direito Positivo há um Direito Natural, fundado no critério moral de justiça e consistente na leitura da Lei Eterna pelo Homem à luz da razão.

NOTAS:


[1] STERNHELL, Zeev. Ni droite ni gauche – L’idéologie fasciste en France. Paris
[2] GENTILE, Giovanni. Risorgimento e Fascismo. In GENTILE, Giovanni. Memorie italiane e problemi della Filosofia e della vita. Florença: G. C. Sansoni-Editore, 1936-XIV, p. 120.
[3] Idem, loc. cit.
[4] GENTILE, Giovanni. La tradizione italiana. In GENTILE, Giovanni. Frammenti di estetica e di filosofia della storia. Florença: Le Lettere, 1992, pp. 112-113.
[5] TEJADA, Francisco Elías de (com Piero Vassallo). Per uma cultura giusnaturalista. Palermo: Thule, 1981, p. 23.
[6] EVOLA, Julius. Imperialismo pagano: Il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano. 4ª ed. corrigida, com dois apêndices e Heidnischer Imperialismus. Roma: Edizioni Mediteranee, 2004, p. 96.
[7] SILVA, Jayme Ferreira da. A verdade sobre o Integralismo.2ª ed. São Paulo: Edições GRD, 1996, pp. 47-57.
[8] Sobre as notas promissórias: ACQUAVIVA, Marcus Claudio. Dicionário Jurídico Acquaviva. São Paulo: Editora Rideel, s/d, p. 579; SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. 23ª ed. atual. Por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 959.

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